A Criança interior: ferida, luz e caminho de cura

Hoje estive a pensar no quanto a criança interior está presente em tantos processos terapêuticos. Muitas vezes ouvimos esta expressão, mas nem sempre compreendemos o que significa. A verdade é que dentro de cada um de nós existe uma criança. Uma parte que guarda as nossas primeiras experiências, as memórias de quando ainda olhávamos o mundo com olhos novos, mas também as feridas, os silêncios e as crenças que fomos absorvendo sem perceber.

Essa criança carrega tanto a dor como a luz. Por um lado, lembra-nos das rejeições, da solidão ou do medo que sentimos e que ficaram marcados. Por outro, é a guardiã da nossa capacidade de sonhar, da curiosidade, da alegria simples e da espontaneidade que tantas vezes se perde com o tempo. Trabalhar a criança interior não é voltar atrás nem ficar preso no passado; é abrir espaço para ouvir o que ficou calado, dar colo ao que sofreu e resgatar a vitalidade que ainda vive em nós.

Às vezes acreditamos que “já ultrapassámos isso”, que o passado já passou. Mas ele continua connosco, mostra-se nos medos que nos paralisam, nas exigências que fazemos a nós mesmos, na forma como reagimos sem compreender bem porquê. É nesse momento que o trabalho com a criança interior se torna um caminho de transformação: porque nos ajuda a dar nome ao que sentimos, a libertar narrativas antigas e a recuperar a confiança em nós.

No fundo, este processo é um encontro. Um encontro com a parte de nós que precisa de ser acolhida, mas também com a parte que continua a acreditar, a sonhar, a brincar. É um convite para unir o que parecia separado, para deixar de nos confundir com a ferida e recordar que somos muito mais do que aquilo que nos magoou.

Quando olhamos para dentro com amor e compaixão, descobrimos que a criança interior não é apenas um eco do passado, mas uma ponte para viver o presente de forma mais inteira e verdadeira. E é nesse gesto simples, de escuta, de cuidado e de resgate, que começamos a caminhar mais leves, sem apagar a história, mas transformando a forma como ela vive em nós.

Com carinho,

Susana Amaral

Próximo
Próximo

Não herdamos só ADN: quebrar padrões, criar liberdade